As redes sociais como meio de alienação e manipulação dos usuários: Será que algo mudou após o escândalo do Cambridge Analytica?
Atualmente vivemos em um mundo conectado, em que a sociedade consegue ter acesso automático a praticamente qualquer informação ou notícia que desejar, como por exemplo, o que ha alguns anos demorava-se meses para se ter notícia de que se estava instalada uma pandemia mundial, hoje o mundo consegue ter informações quase que imediatas do avanço, como se pode perceber com o covid-19.
Analisando por este lado, se tem a benéfica e proveitosa oportunidade de países se preparem, antes que um vírus chegue ao seu país, bem como a população mundial estar alerta ao que esta acontecendo ao vivo em todo o globo.
Todavia, a uso exacerbado da internet e o surgimento das redes sociais também trouxeram malefícios, que até pouco tempo não se discutia abertamente, e nem havia uma preocupação generalizada, que é o uso e o compartilhamento de dados pessoais ao utilizar as redes.
Com o escândalo do Cambridge Analytica, a sociedade começou a perceber o que de fato acontecia por traz de uma aparentemente inofensiva rede social como o Facebook, que prega uma visão de conectar o mundo e estreitar laços, aproximar pessoas que por ventura estivessem a kilômetros de distância, e na realidade, utilizava todas as informações que os usuários postavam com o intuito de repassá-los para terceiros interessados que com esse banco de dados conseguiram projetar traços da personalidade de uma nação inteira e manipular uma eleição presidencial, e absolutamente ninguém tinha noção do que estava acontecendo.
A partir desse momento, abriu-se um precedente de questionamentos não só nos legisladores, de como esse repasse de dados estavam seguros juridicamente e quais os impactos que trariam para toda a população, mas também nos próprios usuários que começaram a se perguntar quais dados pessoais deles essas empresas tinham posse, e como estavam sendo utilizados.
Neste viés, houve uma extensa investigação sobre como as atividades da empresa Cambridge Analytica por intermédio da rede social Facebook haviam realmente influenciado a vitória nas eleições presidenciais do Donald Trump nos Estados Unidos, e foi possível chegar a conclusão de que essa empresa conseguia através de likes, e enquetes feitas pelos usuários da rede social, filtrar as personalidades dos usuários e de sua rede de amigos, e com isso impulsionar campanhas publicitárias e vídeos que tratavam de assuntos sociais, econômicos e de grande relevância para moldar a opinião política de um eleitor, com o intuito de induzi-lo sem ele ao menos perceber e à acreditar que o candidato no qual a empresa foi contratada era a melhor opção para governar seu país.
Apesar de ser algo que nunca vai ter comprovação direta, até porque no final quem vota realmente é o eleitor em sua individualidade, é notório como propagandas, notícias e vídeos impulsionados para o público certo, para aquele volume de usuários que se alimentariam daquele conteúdo e tomam aquilo como verdade absoluta ou até mesmo são passíveis de mudança de opinião por estarem indecisos em uma determinada tomada de decisão, é possível sim perceber uma estratégia de manipulação que em sua maioria gera resultados positivos para aquele que realiza esse tipo de marketing.
É só pensar rapidamente em empresas do ramo alimentício de carne que realizam propaganda em suas redes sociais, e utilizam da plataforma para impulsionar suas vendas, elas vão buscar o público que elas acreditam que irá consumir aquele produto, e não para um público vegano por exemplo, e hoje é possível realizar essa triagem com as informações que os usuários fornecem a rede em que está inserido. Então não é difícil visualizar que dá para fazer esse tipo de estratégia e como conseqüência atingir seu objetivo.
O problema real esta na utilização de má-fé, porque uma coisa é você fazer propaganda para as pessoas consumirem seu produto, outra bem diferente é trabalhar com uma nação que tem seu regime democrático de direito e conseguir manipular o pensamento das pessoas para benefício próprio, em que esse país detêm de uma garantia fundamental a liberdade de expressão e a soberania deve ser do povo. É ousado citar, mas necessário, que se esse tipo de ferramenta continuar sendo utilizada da forma que foi em outras eleições, a democracia estará completamente ferida, e estará mais parecida como um autoritarismo maquiado de democracia.
Com efeito dessa estratégia de manipulação dos eleitores, entra um assunto ainda mais sério e preocupante que são as fakes news, que genericamente é definido como “supostas notícias que tentam se passar por matérias jornalísticas dignas de confiança, mas que, em diversos graus, propagam informações inverídicas, distorcem fatos ocorridos ou mesmo opiniões emitidas por alguém”. [1]
No Brasil, é possível ver como as fakes news vêm alterando drasticamente o cenário político, e cada vez mais vêm gerando uma divisão de dois grandes grupos que a cada dia se atacam mais e não conseguem chegar a uma conclusão harmoniosa, há literalmente uma divisão da população, entre um lado e o outro.
Nesse contexto, existem softwares, ou “robôs” que são criados e projetados para gerar conteúdo em massa e distribuir para os usuários, oportunidade que utiliza-se de redes sociais, como Facebook, Instagram e WhatsApp para publicar supostas notícias que aparentam ser verdadeiras, mas são distorcidas da verdade ou a forma que ela é redigida traz uma conotação sensacionalista que gera uma interpretação errônea da realidade, que têm o objetivo de persuadir ou polarizar questão sociais relevantes para beneficiar alguém. No cenário político brasileiro é uma ferramenta bastante utilizada, com o intuito de favorecer um partido, um candidato, e conseqüentemente enfraquecer o adversário.
No que tange a política brasileira, foi instaurado um inquérito no Supremo Tribunal Federal para apurar a prática ilegal de distribuição de fake news pelo país acerca dos Ministros da Corte e seus familiares, bem como outro inquérito postulado no Tribunal Superior Eleitoral que têm o objetivo a impugnação da chapa Bolsonaro-Mourão acusados de contratar os softwares para o envio de mensagens, notícias falsas e ataques virtuais contra seus adversários.
Dito tudo isto, é possível ver uma relação entre os dados pessoais que as plataformas digitais detém dos seus usuários, e as fake news, uma vez que essa prática ilegal apenas ocorre com o auxilio da internet e das redes sociais, ao obter informações da população e filtrar o seu público alvo a fim de com os softwares criados distribuir as notícias e publicações pertinentes para cada pessoa de acordo com o interesse e com aquilo que ele está disposto e ver e ouvir.
Ademais, vale ressaltar que para combater essas práticas existe a Lei Geral de Proteção de Dados n° 13.709/2018 que ainda não entrou em vigência devido ao estado de calamidade que nos encontramos, e por estar sendo realizada uma discussão legislativa acerca de quando entrará em vigor, que traz dentre diversas medidas, uma autoridade nacional, a ANPD, que irá regular acerca do tema, e diversas obrigações para as empresas que detém dos dados pessoais dos indivíduos em ambientes virtuais, trazendo direito aos titulares desses dados de poder monitorar, controlar, e até retirar suas informações do banco de dados de uma determinada empresa, e impõe obrigações e responsabilidades administrativas e judiciais para o caso do tratamento e uso inadequado dos danos pelas empresas.
Por fim, está em trâmite um Projeto de Lei no Congresso Nacional, a fim de regulamentar e punir indivíduos que compartilhem as fake news. Todavia, é um tema que merece um debate amplo de quem será punido com caso a lei entre em vigor, porque em um ambiente tecnológico é extremamente difícil saber de onde saiu inicialmente a notícia, por qual plataforma ela foi divulgada e quem foi o responsável, pois não dá para punir usuários que foram persuadidos a princípio por uma notícia e perpetuou na sua rede de amigos. É algo que deve ainda ser apreciado e destrinchado para se ter um caminho de como a justiça deve atuar no caso concreto, e assim obter uma segurança jurídica sólida e combater cada vez mais pessoas e usuários que utilizam de má-fé as redes sociais em benefício próprio ou de outrem, disseminando notícias e utilizando os dados da população para isto.
[1] MARTINS, Marcelo e TATEOKI, Victor. Proteção de dados pessoais e democracia: fake news, manipulação do eleitor e o caso da Cambridge Analytica. Revista Eletrônica Direito e Sociedade, Canoas, v. 7, n. 3, p. 135–148, out. 2019, Acesso em: 23 de Jul. 2020
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